Momentos de Ruptura

O livro Momentos de Ruptura é a oitava publicação da Coleção Campiniana, realizada pelo setor de publicações do Centro de Memória – Unicamp (CMU), sob direção, à época, do Prof. Dr. José Roberto do Amaral Lapa. Publicados durante o ano de 1996, os livros da coleção tratam da história de Campinas a partir de diversas perspectivas e recortes temporais, como discriminação racial, imigração, educação feminina, história da saúde e outros.

O autor do referido livro, Antonio Carpintero, é formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (1979) e possui mestrado e doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1991; 1998), ambos orientados pelo Prof. Dr. Nestor Goulart Reis Filho. Profissionalmente, Carpintero possui vasta experiência na área de urbanismo, sendo responsável pelo planejamento urbano da cidade de Ariquemes, RO, e atualmente é docente das disciplinas de teoria urbanística e história da urbanização de Brasília na mesma universidade na qual se graduou. A pesquisa realizada durante seu mestrado na FAU – USP resultou nas abordagens do livro Momentos de Ruptura, que trata da história urbana de Campinas e das transformações ocorridas na cidade durante a década de 1950 a partir de uma perspectiva interdisciplinar, dialogando com conhecimentos e autores de diversas áreas.

A primeira parte do livro trata dos aspectos geográficos do desenvolvimento urbano de Campinas, localizando a cidade em relação à região paulista e demonstrando seus limites territoriais e sua situação geomorfológica de forma breve e didática. Nesse sentido, o autor articula as informações de maneira a apresentar a região da cidade como propícia ao cultivo do café, produto agrícola de destaque econômico no estado de São Paulo durante o século XIX, justificando a formação de Campinas a partir das fazendas cafeeiras.

Ainda que Carpintero trate da influência dos bandeirantes para o início do desenvolvimento da cidade, em decorrência da construção e estabelecimento de estalagens para recebê-los, o autor concede maior importância ao papel da economia cafeeira devido a seus efeitos na região paulista, “transformando os povoados em cidades” (CARPINTERO, p.25, 1996). Entre os efeitos, são destacadas as transformações de infraestrutura a partir da instalação de ferrovias que determinaram as redes entre o interior paulista cafeeiro, para o qual, segundo o autor, Campinas possuía o papel de capital regional. Entretanto, este papel tornou-se breve devido ao que Carpintero define como a primeira crise urbana da cidade: a epidemia de febre amarela, em 1889, que levou a uma emigração em massa da população da cidade. Discorrendo sobre os efeitos sociais e econômicos dessa crise, argumenta que a necessidade de obras de saneamento e da instalação de energia elétrica e iluminação pública definiram uma nova gestão da cidade.

Nesta parte, a metodologia de Carpintero caracteriza-se, no geral, pela utilização dos dados presentes no trabalho de José Camargo acerca do crescimento da população em São Paulo em uma correlação com informações de fontes diversas sobre o aumento de residências, comércios ou indústrias na cidade para apresentar as relações entre transformações sociais e urbanas.

A segunda crise urbana definida no livro é caracterizada pelo processo de industrialização de Campinas e pelo aumento do uso e ocupação do centro no início do século XX. Segundo ele, suas causas estariam relacionadas à organização operária e à condição de vida e moradia na cidade, sendo resultado disso o Plano de Melhoramentos Urbanos, projeto requisitado pela prefeitura de Campinas e realizado pelo engenheiro e arquiteto Francisco Prestes Maia junto à Comissão de Urbanismo da cidade. Anteriormente à apresentação do conteúdo do Plano, Carpintero apresenta o contexto de sua proposição para além da crise urbana e dos fatores que indicavam sua necessidade, mas também de um contexto intelectual e político de modernizar a estética e à infraestrutura da cidade, na intenção de inserir Campinas como uma cidade moderna.

Estabelecendo diálogos com Ricardo Badaró, o autor apresenta as proposições do Plano de Melhoramentos Urbanos e defende que foi “uma proposta voltada inteiramente para a constituição do centro” (CARPINTERO, p.43, 1996), de forma a modificar não apenas sua forma urbana, como também a estética dos edifícios presentes nele.

“A expansão e a renovação urbana são, contudo, processos articulados. O desenvolvimento das zonas de expansão iniciou-se concomitante com a destruição de zonas centrais. Estes processos só foram possíveis porque a aprovação do plano tanto legitimava a intervenção pelo nível ideológico, em nome do desenvolvimento urbano, como pelo aspecto econômico, na realização de ações que o capital privado não teria interesse em assumir, dado seu altíssimo custo. Mas essa destruição era, por sua vez, acompanhada de um intenso processo de reconstrução” (CARPINTERO, 1996)

Nesse sentido, Carpintero assinala os anos 1950 em Campinas como uma década de transformação, entre a destruição e construção. Num primeiro momento, o autor apresenta os edifícios demolidos em decorrência dos alargamentos de vias propostos pelo Plano de Melhoramentos Urbanos, a maior parte realizada no ano de 1956, como a Igreja da Nossa Senhora do Rosário que se situava na Avenida Francisco Glicério, o edifício pertencente à Companhia Mogiana de Estradas de Ferro na Avenida Campos Sales, o Palacete Armbrust, entre outros. Além de apresentar os aspectos estéticos dos edifícios, o autor insere o valor cultural e sentimental da população campineira com os mesmos.

Posteriormente, em contraste, o autor apresenta as construções pós demolições ou em decorrência das proposições do Plano, como o Palácio da Justiça, edifício Atibaia, edifício Anhumas e outros de estilo moderno que caracterizam a renovação estética da cidade. Além deles, Carpintero também marca o projeto de paisagismo e reforma do Largo do Rosário, o qual foi expandido devido a demolição da Igreja da Nossa Senhora do Rosário e que se tornou um ponto de encontro e passagem das pessoas, transformando a vivência da população no centro da cidade.

Para além da questão estética dos edifícios que compõe a renovação e caracterização do centro moderno de Campinas, a paisagem da cidade também foi alterada devido ao tamanho cada vez maior dos novos prédios, como vemos que

“O centro mudara seu aspecto. No início da década dos cinquenta os edifícios com mais de cinco pavimentos eram poucos. A morfologia do centro se marcava pelas casas térreas ou assobradadas e as torres das igrejas eram ainda visíveis. Dez anos depois, já não se viam as torres e o centro era um aglomerado de edifícios. O centro se verticalizara. Esta, é, talvez, a transformação mais visível que ocorrera”. (CARPINTERO, 1996)

Carpintero finaliza o livro levando em consideração questões em relação aos investimentos do Plano e os incentivos econômicos relacionados a ele, como a construção civil e a inserção do mercado automobilístico, a troca dos trens como meio de transporte para ônibus e carros e, por isso, o investimento na transformação urbanística.

“A adoção do planejamento representa uma primeira forma de adesão a modernidade. A renovação do centro, por sua vez, com a adoção de uma estética industrial, expressa principalmente na linguagem urbana e arquitetônica moderna, demonstra de outra forma essa mesma adesão”. (CARPINTEIRO, 1996)

A contribuição de Momentos de Ruptura para o pensamento urbanístico moderno é essencial para a pesquisa acerca do contexto das transformações das cidades do interior paulista. No mesmo sentido, outra obra destacável no processo de refletir sobre o binômio modernidade x urbanismo é o livro de Ricardo Badaró, Campinas, o despontar da modernidade.

 

Este texto foi produzido por Marina Cruz de Albuquerque como fruto das atividades de Estágio Supervisionado do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Unicamp, ministrada pelo Prof. Dr. Aldair Carlos Rodrigues, e realizadas sob supervisão dos técnicos do Centro de Memória-Unicamp.