O Caso da Estigmatizada de Campinas

Entre referências bibliográficas que podem ser convertidas em fontes históricas está à obra O caso da estigmatizada de Campinas, publicado pelo médico Dr. Sousa Ribeiro em 1930. Sousa Ribeiro nasceu na Bahia e logo cedo mudou-se para Campinas, cidade pela qual tinha um enorme apreço, considerando-a sua própria cidade natal. Devoto do espiritismo, atuava como médico e defensor de sua fé na Campinas do início do século XX.

No ano de 1928, Ribeiro envolveu-se em uma disputa no campo religioso e científico que tomou conta da imprensa e da opinião pública a nível nacional. O caso da estigmatizada de Campinas, como ficou conhecido esse evento, consistiu na aparição das chagas de Cristo no corpo da Irmã Amália de Jesus Flagelado, freira pertencente à Irmandade de Jesus Crucificado da cidade de Campinas.

“O caso da estigmatizada de Campinas” é um balanço dos acontecimentos de 1928 pelo olhar do autor que concilia o discurso médico com a doutrina espírita. O livro possui divisões pouco convencionais para o leitor de hoje, sendo cada capítulo um compilado de escritos publicado em diferentes ocasiões. Entretanto, para facilitar a leitura, no prefácio o autor explica de qual narrativa ele toma partido no caso Amália e qual o contexto da compilação dos escritos em um livro.

Apesar de ser um livro curto, os capítulos são independentes, não sendo necessário uma leitura contínua para compreender todo o contexto. A leitura das primeiras páginas fornece ao leitor informações suficientes para compreender sobre o que será dissertado em cada capítulo. Por exemplo, se o interesse do leitor for o estudo do discurso médico nesse período e das práticas aplicadas no caso Amália, basta direcionar-se especificamente a esses capítulos.

A produção e escrita dessa obra está situada em um momento no qual Campinas passava por uma onda de intolerância religiosa desencadeada contra fiéis que não professassem o catolicismo como sua religião. A partir desse cenário, Ribeiro se posiciona em publicações no jornal Diário do Povo no qual não só parte em defesa do espiritismo como também realiza um ataque ao então bispo da Arquidiocese de Campinas, Dom Francisco de Campos Barreto, alegando que ele teria forjado o caso de Amália para poder angariar fiéis dentro desse contexto de disputas. Parte dos artigos publicados por Ribeiro no periódico campineiro está disponível no livro, principalmente aqueles em que sai em defesa de sua própria crença, acusando diretamente a figura de Barreto, exigindo que fosse realizado um exame médico em Amália para se comprovar o caso de estigmatização.

É interessante observar que em momento algum Ribeiro nega a possibilidade da existência de um fenômeno sobrenatural como a estigmatização, inclusive reivindica para o espiritismo as explicações possíveis para esse fenômeno, alegando que Dom Barreto não possui qualquer moral em se apropriar de aspectos da doutrina espírita quando o convém, ao mesmo tempo em que lutava para impedir a liberdade de culto em Campinas.

O estilo de escrita de Sousa Ribeiro é fluido e de fácil leitura. O que pode causar estranhamento no leitor são os capítulos voltados para o discurso médico no qual encontramos o amplo uso de termos técnicos e específicos dessa área. Excetuando os termos técnicos, é instigante observar como o Dr. Sousa Ribeiro se inseriu em uma série de eventos que se desdobraram do caso de Amália.

No geral, “O caso da estigmatizada de Campinas” transita entre a fonte histórica e um livro indispensável para aqueles que desejam compreender a vivência religiosa e os conflitos causados pela fé no início do século XX. Não só relegado ao campo das religiões, o livro proporciona o acesso a diversas práticas médicas e científicas da época, além de ser um importante capítulo pertencente a toda discussão sobre o embate entre ciência e religião, discurso tão disputado neste momento atípico da cidade de Campinas.


Este texto foi produzido por Arthur Rocha Martins Rodrigues Teixeira como fruto das atividades de Estágio Supervisionado do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Unicamp, ministrada pelo Prof. Dr. Aldair Carlos Rodrigues, e realizadas sob supervisão dos técnicos do Centro de Memória-Unicamp.