Imigração no Estado de São Paulo e região de Campinas: considerações

Com a promulgação da Lei do Ventre Livre em 1871, é possível afirmar que essa foi a primeira vez que o estado interviu efetivamente nas questões relacionadas ao mundo do trabalho, fazendo que fosse estabelecido um referencial para a desescravização em curso que seria efetivada somente em 1888. A partir desse marco, foi criada a Lei de Locação de Serviços de 1879 que promovia a regulamentação dos contratos de trabalhadores livres na agricultura. Por trabalhadores livres entende-se: trabalhadores nacionais, libertos e estrangeiros. Essa lei foi elaborada na tentativa de estabelecer novas formas de vínculo entre empregados e fazendeiros, apontando detalhadamente os direitos e deveres de ambas as partes.

Ademais esses pontos, é importante ressaltar que, apesar de usualmente falado o contrário, a transição do fim da escravidão e início da imigração foi marcada por espaços de vivência e experiências comuns que influenciaram nas concepções que os sujeitos vieram a ter sobre como se davam as relações de trabalho nas fazendas. Sobre esses pontos apontados, Stolcke e Hall (1983, p.85) escrevem:

 

"Na maioria das vezes o trabalho livre coexistia com a escravidão, embora os fazendeiros tenham estabelecido desde o início uma certa divisão técnica do trabalho. Todas as atividades além do cultivo e colheita do café que supostamente requeriam constante supervisão ou era inapropriadas para a parceria, continuaram a ser realizadas por escravos."

 

Sabendo dessas peculiaridades, os primeiros imigrantes europeus, principalmente suíços e alemães, a chegarem ao Estado de São Paulo foram trazidos pelo senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778-1859) na década de 1840, dono de uma grande fazenda próxima a Limeira (atualmente pertencente à Cordeirópolis) pelo sistema de parceria. Esse contrato funcionava da seguinte maneira: a empresa “Vergueiro e Companhia” contratava os imigrantes, prometendo financiar toda a viagem e esses deveriam quitar suas dívidas trabalhando para o fazendeiro por pelo menos quatro anos. [Item 1]. Apesar desse sistema ter funcionado por um tempo, revoltas não deixaram de ocorrer pois os trabalhadores se sentiam explorados, culminando assim no ano de 1856 na chamada Revolta de Ibicaba. Essa agitação, apesar de não ter trazido ganhos significativos para os trabalhadores, provocou um debate mais amplo que colaborou para que fossem propostas novas leis que regulamentassem o trabalho livre nas fazendas.

O segundo grupo de imigrantes chegou ao Brasil em 1846. Eram de descendência germânica e vieram através dos esforços de fazendeiros da região de Campinas que criaram uma companhia para sob o sistema de parceria trazer esses alemães e suíço-alemães. O subsídio inicialmente era dado por associações de fazendeiros que dividiam os custos de toda a viagem, dos equipamentos e dos alimentos que os imigrantes precisassem, fazendo assim com que estes assumissem uma dívida muito grande que demorava anos para ser paga. Por conta dessa mentalidade exploratória, diversas revoltas ocorreram e a partir de 1870 a organização da vinda de imigrantes passou às mãos do governo. Em 1886 com a Fundação da Sociedade Promotora de Imigração o governo imperial começou a promover a imigração em massa e subsidiada [Item 2]. Portanto, estima-se que 910 mil imigrantes europeus entraram no Estado de São Paulo entre os anos de 1887 e 1900. Só na cidade de Campinas, entre os anos de 1882 e 1900, 10.631 imigrantes foram introduzidos na cidade.

Em 1891 é criado, pelo recém governo republicano, a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas [Item 3] que tinha, dentre as várias atribuições, a de promover a imigração, motivo pelo qual a Agência Oficial de Imigração foi organizada. Pelo que é possível se verificar na documentação [Item 4] da região de Campinas, os fazendeiros arcavam inicialmente com as despesas da viagem dos imigrantes e eram reembolsados pelo Estado mais adiante, o que se justifica pelas procurações encontradas dizendo que autorizavam grandes fazendeiros da região a receberem o que lhes era devido pelo governo.

A propaganda era uns dos principais meios de divulgação utilizada pelo governo tanto para mostrar como os imigrantes eram bons para a economia brasileira e também como incentivo para que eles viessem para o Brasil, como as localizadas no Jornal O Imigrante [Item 5], escrito em diversas línguas para que pessoas de diferentes países tivessem acesso. Nelas encontram-se apontadas as vantagens de se vir para o Brasil, como funcionava a parte burocrática de ressarcimento da passagem, como proceder com a documentação quando chegassem ao Brasil, como informações mais práticas mostrando mapas de onde ficavam os núcleos coloniais, o número de habitantes e fotos desses locais para que as pessoas se interessassem por imigrar. Também eram exibidas cartas de imigrantes que já se encontravam no Brasil para seus parentes do exterior mostrando as ótimas condições que tinham aqui. O livro de Ouro do Estado de São Paulo: 1889-1914 [Item 6], igualmente nos mostra o esforço das elites em demonstrar como o processo de importação dessas pessoas vinha sendo benéfico ao país [Item 7].

Para recepção desses imigrantes, do final do século XIX ao século XX foram organizadas hospedarias [Item 8] em diversas cidades do estado de São Paulo destinadas ao recebimento de imigrantes [Item 9] que lá permaneciam até serem destinados para as fazendas ou para os núcleos coloniais [Item 10].  Eram dotadas de amplas instalações tanto no que se refere a dormitórios [Item 11], refeitórios [Item 12] e também na parte hospitalar [Item 13]. Inicialmente financiada pelo governo Imperial e mais tarde conduzida pela República, a Hospedaria de Imigrantes figura como a primeira obra patrocinada pelo governo republicano - ainda que provisório - na cidade de Campinas.

A criação da Hospedaria de Imigrantes de Campinas, localizada na rua Sales de Oliveira no bairro Vila Industrial, próximo à Companhia Paulista de Estradas de Ferro, abrigou cerca de 1500 imigrantes. O prédio chegou a ter aproximadamente 8 mil metros quadrados com aparelhagens parecidas com a de São Paulo que visava atender aos imigrantes recém-chegados à cidade. Entretanto, por conta das constantes disputas institucionais entre Governo do Estado e União, diferentes reformas administrativas fizeram com que esse patrimônio tivesse sua utilização prejudicada, sendo encerrada definitivamente em 1909 e utilizada como depósito pela Companhia Mogiana de Estrada de Ferro e Navegação.

Os núcleos coloniais foram criados pelo governo paulista na segunda metade do século XIX com o objetivo de inicialmente ocupar áreas isoladas do estado com imigrantes, entretanto, com o fracasso de grande parte deles, novos núcleos foram estabelecidos em terras mais adjacentes aos principais centros agrícolas. Nas proximidades de Campinas foram criados diversos, sendo os mais bem-sucedidos os núcleos Campo Salles em 1897 [Item 14] e Nova Odessa em 1907 [Item 15], que mais tarde dariam nome às cidades de Cosmópolis e Nova Odessa, respectivamente. A ida para esses locais era uma alternativa acenada aos imigrantes quando chegavam em São Paulo, que após passarem pela Hospedaria de Imigrantes, poderiam escolher para qual núcleo queriam ser encaminhados, momento em que preenchiam uma requisição para obter um lote de terra que podia ser pago através de uma espécie de contrato com empréstimo ou então por prestação de serviços nas fazendas próximas.

Sabe-se que, após a crise cafeeira e a epidemia de febre amarela que atingiu a cidade entre os anos de 1870 e 1890, o contingente imigrante diminuiu muito, apesar de não cessar. Nas primeiras décadas do século XX uma forte campanha para voltar a atrair imigrantes para os núcleos coloniais foi iniciada com diversas publicações propagandistas como a do jornal O Imigrante, já citado, que possuía dizeres como “Hoje imigrante, amanhã proprietário”.

Somente após 1920 Campinas sofreria fortes modificações tanto no mercado de trabalho como nas estruturas urbanas. Com isso, não se pode negar as fortes influências desses imigrantes no processo de modernização e reestruturação da cidade.

 

Referências

ANDREWS, George Reid. “Imigração 1890 - 1930”. In:_ Negros e brancos em São Paulo, 1888-1988 . Edusc, 1998.

BALDINI, Kelly. NÚCLEO COLONIAL CAMPOS SALLES/CAMPINAS: Um estudo de caso sobre a dinâmica das relações bairro rural – cidades. 2010. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/281844/1/Baldini_Kelly_M.pdf>. Acesso em: 11 out. 2019.

BATTISTONI FILHO, Duílio. A Hospedaria de Imigrantes Que Campinas Não Teve. 2018. Disponível em: <https://ihggcampinas.org/2018/08/10/campinas-nao-chegou-a-ter-uma-hospedaria-de-imigrantes/>. Acesso em: 11 out. 2019.

GATTI, Gilberto. Hospedaria de Imigrantes de Campinas: A 1ª Obra do Governo Federal na Cidade. 2018. Disponível em: <https://ihggcampinas.org/2018/04/26/hospedaria-de-imigrantes-de-campinas-a-1a-obra-do-governo-federal-na-cidade/>. Acesso em: 11 out. 2019.

GEBARA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil, 1871-1888. São Paulo: Brasiliense, 1986.

GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin et al. Fragmentos da história da higiene e saúde públicas: a febre amarela em Campinas-SP no século XIX. Revista de Patologia Tropical/Journal of Tropical Pathology, v. 43, n. 2, p. 111-120, 2014.

LAMOUNIER, Maria Lúcia. O trabalho sob contrato: a Lei de 1879. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 6, n. 12, p. 101-124, 1986.

SANTOS, Ivison Poleto dos. A Sociedade Promotora de Imigração: formação e influência, 1886-1895. 2007. Disponível em: <http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao25/materia02/>. Acesso em: 11 out. 2019

STOLCKE, Verena; HALL, Michael M. “A introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo” Revista Brasileira de História , vol. 3, n. 6, 1983.

http://www.arquivoestado.sp.gov.br/imigracao/nucleos.php 

 

Documentos

 

Item 1 - BONNAURE, Albert. Livro de Ouro do Estado de São Paulo: relatorio industrial , commercial e agricola. São Paulo: [s.n.], 1914. p. 147.

Item 2 - Lista de Pagamentos a Imigrantes. Campinas. 15/07/1887.  Conjunto Coletoria e Recebedoria de Rendas de Campinas, Série imigração, caixa 70, P.07 - Centro de Memória - Unicamp.

Item 3 - SACOP 00594 - G. Wessel & SOHN. Secretaria da Fazenda. São Paulo, SP. Entre 1900 e 1905. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 4 - Substabellecimento de procuração. Piracicaba, SP. 13 abr. 1888. Conjunto Coletoria e Recebedoria de Rendas de Campinas, Série imigração, caixa 70, P.07 - Centro de Memória - Unicamp.

Item 5 - O IMMIGRANTE: Estado de São Paulo, Brazil. São Paulo, 1907-1911. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 6 - BONNAURE, Albert. Livro de Ouro do Estado de São Paulo: relatorio industrial , commercial e agricola. São Paulo: [s.n.], 1914. p.1. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 7 - BONNAURE, Albert. Livro de Ouro do Estado de São Paulo: relatorio industrial , commercial e agricola. São Paulo: [s.n.], 1914. p. 145 (recorte). Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 8 – SACOP 00596 - Hospedaria de Imigrantes. Secretaria da Fazenda, São Paulo, SP. Entre 1900 e 1909. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 9 – SACOP 01635-02 - Hospedaria de Imigrantes. Secretaria da Fazenda, São Paulo, SP. Entre 1900 e 1909. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 10 - Attestado Hospedaria de Imigrantes. São Paulo. 26 out. 1888. Conjunto Coletoria e Recebedoria de Rendas de Campinas, Série imigração, caixa 70, P.07 - Centro de Memória - Unicamp.

Item 11 - SACOP 01635-06 - Hospedaria dos Imigrantes - dormitório. Secretaria da Fazenda, São Paulo, SP. Entre 1900 e 1909. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 12 - SACOP 01635-05 - Hospedaria dos Imigrantes - refeitório. Secretaria da Fazenda, São Paulo, SP. Entre 1900 e 1909. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 13 - SACOP 01635-04 - Hospedaria dos Imigrantes (ambulatório médico). Secretaria da Fazenda, São Paulo, SP. Entre 1900 e 1909. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 14 - SACOP 01573 - Gaensly Phot. Nucleo Coloniale "Campos Salles". Campinas, SP. ca. 1906. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Item 15 – SACOP 01570 - Gaensly Phot. Nucleo Coloniale "Nova Odessa". Campinas, SP. ca. 1906. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo - Centro de Memória-Unicamp.

Capa site.png Hospedaria de Imigrantes. Secretaria da Fazenda, São Paulo. Conjunto Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo.